segunda-feira, 19 de maio de 2014

Letramento e alfabetização



Não podemos separar os dois processos, pois a aquisição da escrita normalmente se dá por meio de ambos


Objetivos:
- Promover uma reflexão sobre a importância dos processos de alfabetização e letramento, para a aquisição do uso social da leitura e da escrita.

Para: professores em geral.

Itaci Batista

Um aluno alfabetizado não é necessariamente letrado. Alfabetizado é aquele que sabe ler e escrever. Já o letrado é aquele que sabe ler e escrever, mas que responde adequadamente às demandas sociais da leitura e da escrita. Embora os dois processos se mesclem, o conhecimento das letras é apenas um meio para o letramento, que implica no uso social da leitura e da escrita. Consequentemente, a alfabetização deve se desenvolver em um contexto de letramento para permitir a aprendizagem da escrita que, por sua vez, ainda tem de ter um caráter significativo para as crianças. Apesar de parecer complicado, graças à Sandra Bozza que, na entrevista desta edição esclareceu diversos pontos sobre ambos os processos, todas as dúvidas serão esclarecidas.

Dica de jogo!
Jogo Palavra Secreta
Como material de apoio, esse jogo é ideal para trabalhar a alfabetização e o letramento infantil. Suas cartas, quando viradas, trazem duas figuras, os nomes delas e a indicação de subtração de letras, por meio da qual a criança chega a uma terceira palavra (por exemplo: jacaré – caré + panela – pa = janela). Além de estimular o raciocínio infantil, ele ainda exige rapidez: após decifrar o vocábulo, o jogador tem que bater no alvo para ganhar os pontos correspondentes. Composto por 1 tabuleiro, 1 alvo, 66 cartas, 4 peões, 1 dado, 1 conjunto de adesivos para o dado e 1 folheto de regras, o jogo que admite até 4 participantes, em média, custa R$ 36.00. Produzido pela Grow, ele pode ser encontrado nas melhores lojas de brinquedos e livrarias, inclusive as virtuais.
Guia Prático para o Professor do Ensino Fundamental I – Qual a diferença entre alfabetização e letramento?
Sandra Bozza – O letramento é mais amplo e eminentemente social. É o ato de inserir o sujeito no universo letrado. Quando lemos para as crianças ou escrevemos suas ideias para que os outros as leiam, estamos possibilitando que elas compreendam os diferentes usos da escrita e percebam a importância desse conhecimento produzido pela humanidade. Isso é letrar! Da mesma forma, um adulto analfabeto que nos pede para escrever uma lista ou uma carta, que solicita auxílio para ler o letreiro de um ônibus ou um endereço escrito está em estado de letramento, pois está utilizando a escrita para suprir suas necessidades sociais, embora não saiba ler. Já o processo de alfabetização implica o desvelamento (para quem está aprendendo a ler) do funcionamento técnico da escrita. Em outras palavras: alfabetizar nos dias atuais significa planejar e desenvolver reflexões sistemáticas sobre a organização da escrita e seus usos.

EF – Um processo complementa o outro? Como?
Bozza – Creio serem indispensáveis um ao outro, pois, para aprender a ler, o sujeito necessita compreender o que é e para que serve a escrita na sociedade. Assim, inseri-lo no universo letrado é a primeira necessidade a ser suprida pela escola. E isso não é difícil de concretizar porque pode se realizar a partir de práticas simples, como com a leitura e reflexão sobre as ideias veiculadas em jornais e revistas, a leitura dos contos clássicos, a produção coletiva de relatos e receitas ou o registro diário, no quadro de giz, da rotina escolar. A partir desses usos constantes da escrita, parte-se para a reflexão sobre a organização das normas que regem a língua escrita.

EF – Quais são os maiores equívocos do professor que tenta alfabetizar nas séries iniciais?
Bozza – O primeiro deles é achar que se deve iniciar o processo de aquisição da escrita do menor para o maior. Há uma forte tendência, derivada do ensino tradicional mecanicista, de se acreditar que se aprende do simples para o complexo, quando, na verdade, o mais fácil é partir do que a sociedade usa. E na sociedade não aparecem escritas sílabas e letras soltas, isoladas e sem função social. Utilizamos o discurso, portanto, o texto, seja oral ou escrito. Um bom exemplo do caminho a percorrer para apropriação de novos conhecimentos é o uso dos atuais aparelhos celulares. Nenhuma criança que conviva com essas tecnologias necessita de uma explicação detalhada, iniciada com as partes menores, para utilizar a tela de um Iphone ou de um Ipad. Elas observam, tentam, utilizam e, quando não têm atendidos seus desejos e intenções de uso, pedem auxílio.

EF – A ludicidade quando utilizada na alfabetização facilita o aprendizado das crianças?
Bozza – O prazer e a ludicidade facilitam a aprendizagem em qualquer idade e para qualquer aquisição. Mais do que isso: para aprender, é imprescindível ter necessidade do que vai ser ensinado. Para tanto, a escola deve organizar práticas que suscitem no aluno essa necessidade. E uma boa forma de se realizar esse intento é jogando, cantando, saindo dos muros da escola, dramatizando, trocando com outras classes e com crianças de outras instituições. As regras de jogo, os convites, os cartazes de boasvindas, os avisos são boas formas de se ensinar a ler e a escrever de maneira leve e prazerosa. Conheço escolas fantásticas que fazem Feira da Troca, onde os alunos, em determinado dia, vêm para a escola com suas famílias para trocar objetos (livros, brinquedos, álbuns etc.). Nesse evento, há que se produzirem vários gêneros de escrita: um “classificado” para anunciar o objeto de troca, uma “etiqueta” com o preço para venda etc. Outras instituições trabalham com o Dia da Avó (ou do Avô) na escola. Eles fazem bolinhos e sanduíches, consertos ou esculturas de madeira, momentos em que a produção escrita ocorre por meio do registro das receitas ou das técnicas. Há professoras com práticas primorosas de paródias, com músicas atuais ou tradicionais. Enfim, aprender a escrever sempre poderá ser divertido, de acordo com a clareza e a intencionalidade de quem ensina.

Anote!
Normalmente, o letramento é cultural, por isso muitas crianças já vão para a escola com o conhecimento alcançado de maneira informal – absorvido no cotidiano. A partir daí, se o professor reconhece a importância do letramento e começa a trabalhar com os distintos usos da escrita na sociedade, ele também deixa de exercitar o aprendizado automático e repetitivo, baseado na descontextualização.
EF – Crianças que não dominam a leitura nem a escrita concluem facilmente o Ensino Fundamental I e o Fundamental II. Nesse contexto, que futuro elas terão?
Bozza – Na sociedade, quem não lê é lido! O Brasil já vive o que alguns sociólogos e economistas chamam de “apagão de serviços”. Em todas as categorias de emprego há vagas que não são preenchidas por falta de competências leitoras básicas, como, por exemplo, inferir uma informação implícita no que está escrito ou ler um texto escrito que se apresenta por meio de gráficos e/ou imagens. Algumas empresas particulares nacionais, diante de tamanha dificuldade, já optaram por assumir a formação dos profissionais mais razoáveis e, no interior de suas dependências, tentam superar esse déficit da maneira mais funcional possível. Já as empresas internacionais, principalmente as automotivas, consideram mais viável importar seus empregados. Ou seja, o trabalhador brasileiro é preterido. Está sendo construindo, dessa forma, o tecido social da economia da informalidade, no qual nem todos têm o êxito aparentado por uma minoria e divulgado como sucesso nas mídias sensacionalistas. Porém, o que de mais grave ocorre é quando esses meninos e meninas que concluem seus estudos aos empurrões chegam a ser os professores nas novas gerações. O ciclo vicioso perpetua essa ignorância, pois ninguém dá o que não tem!

Anachris Sobre Sandra Bozza



É professora, escritora, palestrante, linguista e cientista social. Em 1991, fez parte do grupo que produziu a Proposta de Alfabetização para o Currículo Básico de Curitiba, considerada pelo MEC como uma das cinco mais avançadas do país e que, anos mais tarde, serviu de base referencial para os Parâmetros Curriculares Nacionais de Língua Portuguesa e para a Lei de Diretrizes e Bases (LDB 9394/96) na questão de avaliação da Língua Portuguesa. Para conhecê-la melhor, acesse: www. sandrabozza.com.br.
EF – Quais são as considerações finais da senhora sobre o tema?
Bozza – Finalizo afirmando que urge compreendermos que se tornar letrado é também se tornar cognitivamente diferente: a pessoa passa a ter uma forma de pensar diferente daquelas que são analfabetas ou iletradas. E isso determina o nosso modus operandi perante o mundo. Por outro lado, a escola é a única instituição que tem a obrigação de suprir essa tarefa para aquelas pessoas cujas origens não possibilitam que isso ocorra em casa. Mas, qualquer coisa que eu afirmasse aqui, seria pouco para enfatizar essa necessidade. Por isso, em um exercício de metalinguagem, "chamo" para me auxiliar quem soube sintetizar literariamente tudo o que defendo: Mário Vargas Llosa. “Incivilizado, bárbaro, órfão de sensibilidade e pobre de palavra, ignorante e grave, alheio à paixão e ao erotismo – um mundo sem leitura teria como traço principal o conformismo, a submissão dos seres humanos ao estabelecido. Seria um mundo animal.”







http://revistaguiafundamental.uol.com.br/professores-atividades/111/artigo301326-1.asp

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